sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NÃO RESOLVE A CRISE

Manifesto à comunidade de Teresópolis
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------ Grandes crises devem ser períodos de redobrada atenção. Em nome do pânico, medidas tomadas de afogadilho, aparentemente brilhantes soluções, podem custar muito caro no futuro. Não se apaga incêndio com álcool. Assim parece ser quando se trata de buscar solução ‘mágica’ e imediatista para a crise da violência que grassa no país. Para muitos, a origem de toda a questão do avanço da criminalidade se concentra na delinqüência infanto-juvenil, supostamente agravada por legislação muito branda. Por isso, pretende-se a redução da idade para imputabilidade penal do jovem.

------ Mitos são perigosos. Necessário desfazê-los, para que o debate se dê em bases límpidas e honestas.

------Por isso, as entidades e instituições abaixo-assinadas, com a experiência da lida cotidiana com a questão dos direitos e deveres infanto-juvenis, sentem ser seu dever alertar para os seguintes tópicos:

------1. O ADOLESCENTE NÃO É O CULPADO PELO AUMENTO DA CRIMINALIDADE. Constituindo cerca de 15% da população brasileira os adolescentes não respondem nem por 01% dos crimes violentos ocorridos no país. Em São Paulo, dados da Secretaria de Segurança Pública apontam o número de 0,97% como sendo o percentual indicativo dos delitos graves cometidos por adolescentes. No Rio de Janeiro a mesma conta indica que tais números são inferiores a 03%;

------2. O ECA NÃO É UMA LEI “BRANDA”. Não é verdade que ao jovem infrator não aconteça nada. Apenas não se lhe aplica a “responsabilização criminal”. O Brasil adotou a tese da “responsabilidade estatutária”, correspondente, no entender de muitos, à “responsabilização penal juvenil”, adotada já em muitos países. O jovem responde pelos delitos que comete, inclusive com as medidas sócio-educativas claramente tendo correspondência com as penas criminais. No entanto, há uma adequação, inclusive no tempo de duração das medidas, de forma a privilegiar seu aspecto regenerador e pedagógico, sendo que, em algumas situações, as condições podem ser até mais gravosas do que em relação ao adulto;

------3. NÃO É VERDADE QUE A MAIORIA DOS PAÍSES ADOTE IDADES MAIS BAIXAS PARA A IMPUTABILIDADE PENAL. Como dissemos acima, a responsabilidade penal plena, na maioria dos países (59%), se dá a partir dos 18 anos. Entretanto, são variadas as faixas etárias previstas para a inimputabilidade completa. Há países que adotam 09 anos, 10, 12, 14, etc. No entanto, a esmagadora maioria prevê, entre esta faixa e aquela da responsabilidade criminal, forma diferenciada de responsabilização, com legislação, tribunais e instituições apartadas das que se dedicam à criminalidade adulta. Por outro lado, ainda que seja diferente aqui ou ali, com criminalização efetiva de crianças (como em alguns estados dos EUA) – se é que isso é um modelo - há que se verificar as diferenças de infra-estrutura social de tais países. Se é para importar, não devemos fazê-lo somente em relação às leis mais duras. Vamos adotar também melhores saúde, escola, saneamento, salários, etc;

------4. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NÃO ATACA AS CAUSAS DO PROBLEMA. Quebrar o termômetro não resolve a febre. E mesmo a febre é sempre sintoma de algum desequilíbrio. A sociedade brasileira não está doente porque os adolescentes delinqüem. Crianças e adolescentes é que se tornam infratores porque a sociedade está doente. Temos a segunda pior distribuição de renda mundial. Nosso crescimento econômico é pífio. Não temos boa escola. Faltam empregos. A discriminação racial, disfarçada, contamina a estrutura social. Os episódios de corrupção se sucedem, agravando a sensação de impunidade;

------5. O PROBLEMA DA CRIMINALIDADE PODE SE AGRAVAR. Se desistirmos da tentativa de recuperação do adolescente, estaremos condenando-o, de vez, à criminalidade sem volta. Já os aliciadores de adolescentes infratores apenas terão o trabalho de, eles próprios, promoverem o ‘rebaixamento da menoridade de recrutamento’. Assim, os exércitos da criminalidade só se farão aumentar com crianças armadas;

------6. O SISTEMA PENITENCIÁRIO ESTÁ FALIDO. Hoje, temos um déficit, no sistema penitenciário, de cerca 140 mil vagas. No sistema infanto-juvenil há carência de cerca de 03 mil vagas. Além de aumentar tal conta negativa, devemos sempre lembrar as condições dos presídios brasileiros, super lotados, inviáveis, depósitos de gente que não têm como, em tais circunstâncias, ser recuperada. A sociedade, a estes prisioneiros, não demonstra apenas reprovação. Demonstra ódio e desprezo, muitas vezes respondendo à violência torpe com violência pior, num processo que se retro-alimenta;

------7. NÃO É VERDADE QUE O ADOLESCENTE INFRATOR NÃO TENHA JEITO. Tenta-se vender a imagem de que todo adolescente infrator é um monstro de alta periculosidade, sem chances de recuperação. Entretanto, além de os casos de monstruosidades serem exceção, as estatísticas demonstram elevado índice de recuperação onde o ECA é efetivamente aplicado. Muitos ex-infratores, inclusive, se tornam lideranças positivas em suas comunidades.

------8. O DIREITO PENAL NÃO RECUPERA NINGUÉM. A maioria da população carcerária brasileira (70%) é de jovens adultos (entre 18 e 28 anos), o que prova que, se o ECA não recupera o adolescente, não será o Código Penal que o fará.

------Diante de tais argumentos, deve surgir a inevitável pergunta. ENTÃO NÃO SE VAI FAZER NADA?

------CLARO QUE SIM!

------EM PRIMEIRO LUGAR, É NECESSÁRIO QUE HAJA POLÍTICAS SOCIAIS BÁSICAS que garantam emprego, saúde, boa escola e habitação digna. A violência do Estado e da sociedade contra a população carente é um ambiente que facilita a construção do ato infracional.

------EM SEGUNDO LUGAR, PRECISAMOS APLICAR O ECA EM SUA PLENITUDE. É necessário que os governos invistam em unidades de internação e semi-liberdade que realmente reeduquem. O CONANDA baixou resolução recomendando o máximo de 40 adolescentes por unidade. No entanto, estamos com todas as unidades superlotadas. É preciso emprestar efetivo valor reeducativo a medida de “Liberdade Assistida”, cuja dinâmica prevista pelo Legislador é o maior recurso para evitar-se as internações dos adolescentes infratores. É preciso que os Conselhos Tutelares e de Direitos sejam cada vez mais atuantes. É preciso melhorar a prevenção, inibindo, por exemplo, práticas empresariais que favoreçam ambientes propícios ao consumo de álcool e drogas.

------Com tais providências, sem soluções paliativas ou apressadas, e com melhor compreensão da realidade brasileira estaremos mais aptos à construção de um futuro melhor para o país.

Teresópolis (RJ), 10-04-2007
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Inês Joaquina Sant'Ana Santos Coutinho
Juíza de Direito da VIJI Teresópolis
Ney. C. B. Vieira
Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores
Antonio Carlos Rodrigues Vieira
FAMEAT
Francisco Carlos Montoni
Projeto Filhos do Coração e Conselheiro do CMDCA
Michel Joviano de Oliveira
Associação de Moradores de Fátima e Araras
e Vice-Presidente do PMDB Teresópolis
Raquel Miranda
CAPETTE
Ângela Souza
Creche Campo Grande
Anna Derizans
AMOVÁRZEA
Lourdes P. da Silva
CMDCA
Vera Cardiano
Associação Nova Vida
Luiz Jorge da Silva
Conselheiro Tutelar
Tereza Cristina A. Santos
Presidente do CMDCA
Ronan Gaspar
Padrão Águias
Elisabete Dias da Silva
Conselheira do CMDCA
Maria Luzia S. Luíz
Conselheira do CMAS
Madalena Rucker
Presidente do CAMP
Regina Assunta Rende Queiroz
Voluntária - CAMP e VIJI-Teresópolis
Haroldo da Silva Santos
Centro de Integração Comunitária da Coréia
Vera de Alcântara
Espaço Compartilharte
Maria de Lourdes Castro Oliveira
Espaço Compartilharte
Deniziara da Silva Freitas
Professora
Denilson C. de Araújo
Serventuário da VIJI-Teresópolis
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Sobre o tema, veja a palestra de Denilson C. Araújo
no Fórum da Criança e do Adolescente, em 2007, no link abaixo: